quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

Uso excessivo de tecnologia no parto e nascimento

Eu acho que a forma mais madura de encarar o uso excessivo de tecnologia no parto e nascimento é através da compreensão das mitologias contemporâneas, elementos sub-reptícios, inconscientes e irracionais que comandam o proceder social, através do "campo simbólico" e das ideologias.
Por outro lado, dizer que os "homens" fizeram isso é ingenuidade. Dizer que eles "roubaram" (sem colocar aspas) soa violento e injusto. O masculino é representado no parto por esta atitude fálica, invasiva e intervencionista, mas bem o sabemos que não necessariamente são os homens que usam estes artifícios.
A obstetrícia foi premida pelas mitologias contemporâneas a se adaptar a uma nova forma de ver o nascimento através das lentes do organicismo. Da mesma forma, e pelas mesmas razões, a psiquiatria tornou-se uma neurociência e o amor nada mais do que uma série de arranjos hormonais que disparam elementos de contato entre os sexos visando a reprodução. Para melhor entender o humano a ciência nos reduz a seres biológicos.
O parto - e a atenção devida a ele - não ocorrem em um vácuo conceitual; pelo contrário, ele faz parte, se adapta e mantém a estrutura social e os valores a ele relacionados. Dizer que os "homens" invadiram esse território pode ser verdade, mas também invadiram em muitos outros terrenos, dos oceanos profundo ao espaço sideral, na química, na física e na medicina, por certo. Criticar a volúpia cientifista não significa desconsiderar a importância da ciência para a humanidade.
Assim sendo, mesmo que os exageros sejam agora muito evidentes, o corpo humano não poderia deixar de ser objeto da ciência.
Para as mulheres foi oferecida uma escolha: a natureza ou o saber científico, e elas se atiraram de forma inequívoca às promessas de redenção e transcendência que a abordagem científica oferecia. Quem não aceitaria?
A necessidade da humanização do nascimento parte da releitura desta escolha, pois nos parece que investimos por demais na forma e deixamos de lado o conteúdo. Perdemos a conexão com o que existe de humano em nós.
O perigo que nos ronda é a total desconexão com os intrincados e misteriosos sistemas que nos humanizam. Se a química hormonal já está nitidamente prejudicada pela invasão de drogas e "tecnologias de separação" no parto, assim também ocorre com as ligações afetivas inerentes ao processo, as quais tem a intenção precípua de nos configurar como seres formatados pela linguagem.

Escrito por Dr. Ricardo Herbert Jones

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