sábado, 7 de março de 2015

Kalu Brum - doulas, vínculos e o amor pelo cuidar

Quando me descobri grávida do Francisco já tinha em mente o que pretendia pro nascimento dele e a primeira coisa que fiz foi procurar alguém que me guiasse por esse caminho, seguindo indicações cheguei a Kalu e depois a Helena, duas doulas que me acompanharam durante a gestação e se tornaram pessoas especiais pra toda a vida. Hoje costumo recomendar a toda grávida que o primeiro passo a ser tomado é contratar uma doula, pois ela será seu porto seguro durante os dias confusos da gestação e o ponto de paz no meio do parto. Eu tenho um carinho especial por essas mulheres que cuidam das mulheres e um espaço no meu coração é só delas!

E pra tirar a dúvida de muitas mulheres, pedi a doulinda uma entrevista e ela, como sempre, me respondeu com todo carinho. Espero que aproveitem!


1- O que é uma doula? 

k: Doula é uma acompanhante especializada para o parto, uma pessoa com conhecimento sobre a realidade obstétrica de sua região que pode orientar a mulher para a melhor escolha de equipes humanizadas para que a parturiente tenha a melhor experiência de parto possível. O trabalho principal da Doula é no trabalho de parto. Como a profissional conhece as etapas e desafios do parto, ela sugere posições, incentiva a mulher, acalma, traz para cena de parto o acompanhante e faz a mediação entre o casal e a equipe obstétrica. Segundo as evidências científicas a presença desta profissional na cena de parto reduz os pedidos de analgesia, de uso de fórceps e até mesmo de cesariana. A doula não pode e nem deve fazer nenhum procedimento médico como ausculta, exames de toque. O principal papel da doula é trabalhar para o empoderamento da mulher para que essa tome suas decisões e tenha a Doula para lembra-la de suas escolhas e minimizar os impactos da violência do sistema obstétrico.

2- Qual o momento ideal para procurar por uma doula e contrata-la?

k: Acredito que não existe momento ideal, mas momento possível. O problema é que muitas mulheres elegem seus obstetras de anos como seus ginecologistas. É uma relação paternalista difícil de ser desfeita. Muitas vezes esses profissionais dizem que vão fazer tudo o que as mulheres querem, mas acabam fazendo o que sabem. Indicam cesáreas pelos motivos mais absurdos e sem respaldo científico. Além de muitas mulheres terem partos normais cheios de intervenções desnecessárias e violentas. Algumas mulheres rompem com esses médicos nas mais variadas idades gestacionais. Em geral aí que procuram a Doula para receberem indicações de profissionais alinhadas ao desejo de um parto humanizado. Mas cada dia mais as mulheres tem procurado a doula no início das gestação. Tenho muitas também que me contatam antes mesmo de engravidarem. Para mim esse seria o ideal! A hora de fechar o contrato é igualmente idiossincrático. Mas a partir de 20 semanas, sendo vontade e possibilidade do casal, é um bom tempo.

3- Qual sua função durante a gestação? 

k: Na gestação a Doula é uma Coacher: escuta o que a mulher/casal pede e apresenta caminhos. A doula tira duvidas sobre fisiologia do parto, sobre questões emocionais. Mas o principal é criar um vinculo afetivo com essa mulher para que possa ajudar com todas as técnicas e experiência, mas sobretudo ser uma alma humana diante de outra.


4- Qual o papel da doula durante o parto? 

k: O papel da doula durante o parto é fundamental. Essa profissional com uma presença muito tranquila funciona como uma facilitadora. Quando a mulher começa com as contrações a Doula orienta o casal por telefone até o momento escolhido por eles que ela se dirige à casa deles. Permanece lá ajudando com as bagagens da saída, mantendo a mulher calma, alimentada, descansada. Acalmando o acompanhante. Na hora que o casal achar pertinente, a doula vai para a maternidade, ajudando que esse momento que é bem estressante seja o mínimo possível. Assim que estão no quarto, a doula atua com elemento que ajudam na liberação de ocitocina: local quente, luz baixa, aromas escolhido pela mulher, massagem. Orienta nas posições que ajuda a mulher descansar, sugere chuveiro, prepara a banheira. Com palavras de incentivo fortalece as escolhas da mulher. O período de transição a doula é fundamental porque em geral as mulheres pedem anestésicos. A doula com muita massagem, amor, firmeza ajuda a mulher a passar por esse momento delicado do parto. Em geral a doula vai embora quando todos estão vestidos e alimentados.


5- Pesquisas mostram que o parto em que uma Doula está presente tende a ser mais rápido e necessitar de menos intervenções médicas. Segundo sua experiência o que você tem a dizer sobre essa informação? 

k: Sobre o tempo do trabalho de parto acho que isso é muito relativo. O que é rápido? O que é lento? Tem mulheres com propormos longos e doloridos e trabalhos de parto rápidos. Tem o contrario. Tem quem tem tudo rápido. Tudo mais lento. É o tempo desta mulher e a presença da doula ajuda com o respeito ao processo idiossincrático. O sistema costuma dizer: dilate 1 cm por hora. A doula procura fazer que esse tempo, independentemente de qual seja, tenha significado, seja o mais prazeroso e natural possível. Com certeza a presença da Doula diminui o risco de intervenções. Em geral a cascata de intervenções começa na anestesia. Para pouquíssimas mulheres a anestesia facilita o parto. Em geral a anestesia leva a uma parada de ritmo do trabalho de parto, dificulta na descida do bebê, o bebê,s em a resistência do útero acaba girando para o lado errado ou fica com posição inadequada da cabeça. Por isso brincamos que somos a epidoulal. Mesmo quando há uso de anestesia a Doula ajuda a mulher a se manter ativa para minimizar os efeitos acima citados. de 189 partos assistidos menos de 10% tiveram uso de anestesia, foram 5 fórceps ou vácuo e menos de 10% de cesáreas.

6- Como escolher a doula? 

k: A escolha da Doula é muito pessoal . Você precisa sentir empatia, gostar da presença daquela pessoa. Vocês vão passar muito tempo juntas. Vale conhece-la em situações variadas. Não existe doula melhor ou pior, existe aquela que você teve mais empatia.

7- Qual o custo, em média, do trabalho de uma doula? 

k: O custo médio de uma Doula é próximo do valor do salário mínimo

8- Sabemos que, além de doula, você também é mãe, fotógrafa e jornalista, como concilia esses papéis? 

k: Eu costumo dizer que minha vida é uma espiral que se fecha. Por ser mãe e ter vivido a experiência de uma parto domiciliar há 8 anos, me tornei blogueira. Como jornalista eu precisava mudar o mundo informando que uma nova forma de nascer era possível e extremamente poderosa, capaz de transformar mulheres profundamente. E somos nós que mudamos o mundo. Meu jornalismo passou a ser esse: especializado, pessoal. Aí quando meu filho estava maior, há 5 anos, me tornei Doula. Pelas lindas cenas que via comecei a fotografar partos. Depois gestantes. No ensaio de gestante a gente passa um bom tempo junto. É uma intimidade única principalmente quando vamos na cachoeira. A floresta, as pequenas adversidades expõe a relação do casal, os medos e receios da mulher. Isso fortalece para o momento do parto. Por isso digo que essa espiral de varias curvas se fecham: depois de viver com o casal a linda experiência do parto, me nutro e inspiro para meus textos.

9- Como é ser uma ativista do emponderamento feminino (parto, amamentação, maternagem consciente) em um país onde a epidemia de cesáreas desnecessárias se faz cada vez mais forte? 

k: Há 8 anos meu parto foi o único do ano com a equipe particular. Hoje elas atendem em média mais 50. Isso mostra que as mulheres estão diferentes. Em 2008 meu blog era um dos poucos que falava sobre o assunto. Hoje são muitos. Há 8 anos havia apenas uma doula em BH e hoje são dezenas. Claro que os índices mudaram pouco. Eu vivo cercada de mulheres com pensamentos e condutas muito próxima das minhas. Há 8 anos eu era um ET carregando um bebê nascido de um parto domiciliar. Hoje isso é mais comum.

10- Quantos partos vocês já acompanhou? Quantos domiciliares? Quantos hospitalares, domiciliares e quantos terminaram em cesáreas? 

k: Foram 189 partos desde 2010. 10% com uso de analgesia, 10% de cesáreas, 5 partos com fórceps ou vácuo e 30% domiciliares

11- Qual a importância do vínculo criado com as famílias que você acompanha? 

k: Grande parte das mulheres e famílias que acompanho acabam se tornando amigas queridas. Claro que não é todo mundo. Mas muitas passam a frequentar minha casa, os filhos se tornam amigos. Tenho um afilhado de uma querida que acompanhei o parto. E uma bebê que carrega meu nome. É um vínculo de um amor sem tamanho.

12- Sabemos que seu marido e que seu filho apoiam sua profissão e se orgulham disso. Como é criar um menino em um mundo cercado do poder feminino? 

k: Um peixe acha que não conhece o oceano porque está mergulhado nele. Inevitavelmente nossos filhos serão o processo da água que oferecemos para eles mergulharem. Meu filho sabe tudo de parto, ajuda com circulo de mulheres, vê mulheres amamentando. Para que eu possa assistir tantos partos, meu marido quem cuida dele, dando banho, escovando os dentes, fazendo comida, colocando para dormir. Ou seja o feminino/masculino que dançam em papeis além dos gêneros e sim abraçando necessidades. Não sei como é criar de outra forma e vamos saber se deu certo no momento que essa árvores der seus frutos.


Kalu Brum, doula e Fotógrafa. Já atendeu mais de 170 partos na região de Belo Horizonte. Ministra cursos de doulas em todo o país, levando a experiência de Círculos de Mulheres e Chá de Bençãos. Jornalista de Formação, realiza um trabalho importante de divulgação de conteúdos relativos à humanização do nascimento no portal da qual é idealizadora e coordenadora vilamamifera.com. Através de seu site pessoal Olhar Mamífero divulga relatos de acompanhamentos como doula e fotógrafa, com a finalidade de sensibilizar as pessoas a buscarem boa assistência de parto.

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